terça-feira, 21 de junho de 2016

O Clown

Grupo Tempo - Textos
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O Clown *
Luís Otávio Burnier
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clown é a poesia em ação.
Henry Miller

Segundo Roberto Ruiz, a palavra clown vem de clod, que se liga, etimologicamente, ao termo inglês "camponês" e ao seu meio rústico, a terra (1). Por outro lado, palhaço vem do italiano paglia (palha), material usado no revestimento de colchões, porque a primitiva roupa desse cômico era feita do mesmo pano dos colchões: um tecido grosso e listrado, e afofada nas partes mais salientes do corpo, fazendo de quem a vestia um verdadeiro "colchão" ambulante, protegendo-o das constantes quedas (2).
Na verdade palhaço e clown são termos distintos para se designar a mesma coisa. Existem, sim, diferenças quanto às linhas de trabalho. Como, por exemplo, os palhaços (ou clowns) americanos, que dão mais valor à gag, ao número, à idéia; para eles, o que o clown vai fazer tem um maior peso.
Por outro lado, existem aqueles que se preocupam principalmente com o como o palhaço vai realizar seu número, não importando tanto o que ele vai fazer; assim, são mais valorizadas a lógica individual doclown e sua personalidade; esse modo de trabalhar é uma tendência a um trabalho mais pessoal. Podemos dizer que os clowns europeus seguem mais essa linha. Também existem as diferenças que aparecem em decorrência do tipo de espaço em que o palhaço trabalha: o circo, o teatro, a rua, o cinema, etc.
clown ou palhaço tem suas raízes na baixa comédia grega e romana, com seus tipos característicos, e nas apresentações da commedia dell'arte (3). Nas festividades religiosas e nas apresentações populares da Antigüidade, havia uma alternância entre o solene e o grotesco. Esse é um fato comum a povos distintos: dos gregos até os aborígines da Nova Guiné, passando pelos europeus da Idade Média ou pelos lamaístas do Tibete.
Esta combinação do cômico e do trágico acentua a percepção de emoções contrapostas e é muito peculiar ao clown. Para Shklovski (4), o clown faz tudo seriamente. Ele é a encarnação do trágico na vida cotidiana; é o homem assumindo sua humanidade e sua fraqueza e, por isso, tornando-se cômico.

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"Os palhaços sempre foram parte integrante do circo. Num espetáculo de perícia física, que produz na assistência uma reação mental - deslumbramento, espanto, admiração e apreensão - é preciso haver um complemento: um conceito mental que produza no público uma reação física, ou seja, o riso" (5). Oclown espanta o medo, esta é a sua função.
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Existem dois tipos clássicos de clowns: o branco e o augusto. O clown branco é a encarnação do patrão, o intelectual, a pessoa cerebral. Tradicionalmente, tem rosto branco, vestimenta de lantejoulas (herdada do Arlequim da commedia dell'arte), chapéu cônico e está sempre pronto a ludibriar seu parceiro em cena. Mais modernamente, ele se apresenta de smoking e gravatinha borboleta e é chamado de cabaretier. No Brasil, é conhecido por escada.
augusto (no Brasil, tony ou tony-excêntrico é o bobo, o eterno perdedor, o ingênuo de boa-fé, o emocional. Ele está sempre sujeito ao domínio do branco, mas, geralmente, supera-o, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o mal. Adoum afirma que a relação desses dois tipos de clowns acaba representando cabalmente a sociedade e o sistema, e isso provoca a identificação do público com o menos favorecido, o augusto.

Os tipos cômicos: elementos de uma generalogia

Os tipos característicos da baixa comédia grega e romana; os bufões e bobos da     Idade Méida; os personagens fixos da commedia dell'arte italiana; o palhaço circense e o clown possuem uma mesma essência: colocar em exposição a estupidez do ser humano, relativizando normas e verdades sociais.
Segundo Bakhtin, a cultura cômica popular da Idade Média, principalmente a cultura carnavalesca, possuía uma grande diversidade: festas públicas carnavalescas; ritos e cultos cômicos especiais; os bufões e tolos; gigantes, anões e monstros; palhaços de diversos estilos; a literatura paródica etc. (6) O riso carnavalesco abalava as estruturas do regime feudal, abolia as relações hierárquicas, igualava pessoas que provinham de condições sociais distintas. Era contrário a toda perpetuação, a toda idéia de acabamento e perfeição, mostrando a relatividade das verdades e autoridades no poder. Todos são passíveis de riso e ninguém é excluído dele; era a percepção do aspecto jocoso e relativo do mundo.
Os bufões e bobos, por exemplo, assistiam sempre às funções cerimoniais sérias, parodiando seus atos, construindo ao lado do mundo oficial uma vida paralela. Esses personagens cômicos da cultura popular medieval eram os veículos permanentes e consagrados do princípio carnavalesco na vida cotidiana. Os bufões e bobos não eram atores que desempenhavam seu papel no palco; ao contrário, continuavam sendo bufões e bobos em todas as circunstâncias da vida. Encarnavam uma forma especial de vida, simultaneamente real e irreal, fronteiriça entre a arte e a vida.
Nos séculos XV e XVI, surgiu a chamada commedia dell'arte, ou comédia de máscaras. Esta típica forma de teatro do Renascimento italiano teve, conforme Gassner, uma dupla origem na arte da mímica que, brotando dos farsistas populares do período romano, evoluiu até os atores-jograis ambulantes da Idade Média e das comédias formais de Plauto e Terêncio. (7)
commedia dell'arte era baseada num roteiro (canovaccio), que servia como suporte para que os atores improvisassem. Esse roteiro não era um texto estruturado: indicava apenas as entradas e saídas dos atores, os monólogos, os diálogos, episódios burlescos, os cantos e danças. Personagens fixos e situações codificadas facilitavam o jogo espontâneo da improvisação (8)
Esse teatro teve uma grande aceitação na época, pois era do universo cotidiano do público que os atores tiravam a base para sua representação. Fazia descrições vivas de tipos característicos e costumes contemporâneos, envoltas em tramas de intriga amorosa. Os velhos eram satirizados como tolos, e intermináveis variações eram indroduzidas no tema da traição e do marido traído.
Os personagens eram fixos e possuíam máscaras próprias, cujas linhas revelavam o caráter pessoal de cada um. Os principais eram: Pantalone, o velho, rico e tolo mercador de Veneza; Dottore, personificação do pedantismo dos intelectuais da época; Capitão Mata-Mouros, soldado fanfarrão e covarde, metido a valente; Arlecchino, servo esfomeado e atrapalhado; Brighella, servo astuto e briguento; Pulcinella, ora servo, ora patrão, de índole cruel e violenta; Os Enamorados, jovens apaixonados e sensíveis. Embora mascarados e tipificados, eram fortemente individualizados quanto à fala e dialeto. Geralmente, os intérpretes assumiam um papel por toda a vida. (9)
Na commedia dell'arte apareceram, de certa forma, resquícios da dupla de cômicos, os zanni, servos dacommedia dell'arte, cuja relação se aperfeiçoará nos clowns. A eles cabia a tarefa de provocar o maior número de cenas cômicas, por suas atitudes ambíguas e suas trapalhadas e trejeitos. Existiam dois tipos distintos de zanni: o primeiro fazia o público rir por sua astúcia, inteligência e engenhosidade. De respostas espirituosas, era arguto o suficiente para fazer intrigas, blefar e enganar os patrões. Já o segundo tipo de criado era insensato, confuso e tolo. Na prática, porém, havia uma certa "contaminação" de um pelo outro. O primeiro zanni é mais conhecido como Brighella, e o segundo como Arlecchino.
Pelas características acima descritas, não é difícil relacionar a dupla de zanni à dupla de clowns, o branco e o augusto.
A essência do circo acompanha desde muito o cotidiano do homem. Segundo Ruiz, pesquisadores afirmam que no ano de 70 a.C., em Pompéia, já existia um enorme anfiteatro destinado a exibições de habilidades que posteriormente seriam caracterizadas como circenses. Por outro lado, na China, já por volta de 200 a.C. as artes acrobáticas se encontravam em desenvolvimento. Números até hoje tradicionais, como o equilíbrio sobre corda bamba, magia, engolir espadas e fogo, já eram conhecidos e praticados, naquela época, pelos chineses. (10)
O circo tal como existe em nossa concepção nasceu há pouco tempo. A criação do circo moderno se deu em 1768, por Philip Astley, em Londres. Astley, um ex-sargento auxiliar de cavalaria, hábil treinador de cavalos, foi o primeiro a descobrir que, se galopasse em círculos, de pé sobre o dorso nu do cavalo, teria o equilíbrio facilitado pela força centrífuga. Estava inventado, então, o picadeiro. Durante 150 anos, os cavalos dominaram os espetáculos circenses, mas pouco a pouco outros artistas se incorporaram à trupe.(11)
Já na época de Philip Astley, exímios cavaleiros realizavam o célebre número do "recruta da cavalaria", em que simulavam camponeses simplórios e astutos que, com suas extravagâncias, divertiam as platéias. Naquela época também surgiu na Inglaterra a dupla branco-augusto: no trabalho de dois grandes cavaleiros do século XVIII (Saunders e Fortinelli), que exploravam os números de "grotesco a cavalo".(12)
É interessante notar que existe maior riqueza na comicidade quando os dois tipos atuam em dupla, pois um serve de contraponto ao outro. Eles são encontrados tanto nos espetáculos circenses da Inglaterra como nos dois zanni da commedia dell'arte.
clown também desempenha função semelhante à dos bufões e bobos medievais, quando brinca com as instituições e valores oficiais. Ele, pelos nomes que ostenta, pelas roupas que veste, pela maquiagem (deformação do rosto), pelos gestos, falas e traços que o caracterizam, sugere a falta de compromisso com qualquer estilo de vida, ideal ou institucional. É um ser ingênuo e ridículo; entretanto, seu descomprometimento e aparente ingenuidade lhe dão o poder de zombar de tudo e de todos impunemente. O princípio desmistificador do riso, presente na cultura popular medieval renascentista, apareceu no cômico circense, fundamentado, basicamente, na figura do palhaço.
Em suas andanças através do tempo, o clown ocupou diversos espaços: a rua, a praça, a feira, o picadeiro, o palco. Com o advento do cinema, no início do século XX, ele encontrou um novo lugar para continuar revelando à humanidade seu lado ridículo e patético.
O primeiro clown do cinema foi o francês Gabrielle Leuvielle, que tem por pseudônimo Max Linder. Ele dirigia e atuava em seus filmes. Exatamente como os clowns, Max Linder utilizava tudo o que sabia fazer (dançar, saltar, montar a cavalo, etc.). Sua motivação era o desejo de fazer um número circense, exemplo que será seguido por todos os seus sucessores até Jerry Lewis. Os argumentos que tinha por tema eram sempre, como nas entradas de clowns, extremamente simples. Eram as sucessões de gags que mantinham o interesse; o roteiro não passava de um pretexto para a criação de situações cômicas, assim como nacommedia dell'arte. Max Linder buscou sua inspiração no teatro de vaudeville (teatro cômico musical, apresentado em bares e cabarés). E, sobretudo, no circo. (13)
Os clowns do cinema retomaram diversas gags já usadas anteriormente por outros colegas de cinema ou por clonws de circo. Chaplin, em Em busca do ouro, na "dança dos pequenos pães" se inspirou nos fantoches de barracas de feiras. "Nada mais natural, pois este costume vem justamente do circo, onde, ao redor das mesmas receitas, brilham os cozinheiros de diferentes gostos". (14)
Com freqüência, os cômicos do cinema transportavam diretamente para seu veículo um trabalho própriol do circo. Todos esses cômicos se formaram nas escolas do circo e do music-hall. Cada um deles era acrobata, dançarino, malabarista, cuspidor de fogo, mímico. E é bastante normal que eles retenham de suas origens tudo o que pode enriquecer esta nova arte: o cinema.
Como nos clowns do circo europeu, eles criaram para o cinema tipos originais e únicos - diferentemente do comediante, que deve poder encarnar personagens os mais diversos. Carlitos é o clown de Chaplin, pessoal e único, não importando se desempenha o papel de O grande ditador, do vagabundo de O garotoou do operário em Tempos modernos.
Do ponto de vista da técnica do clown utilizada, alguns desses tipos do cinema chegaram a um grande nível de requinte. Dentre eles, destacaria Charles Chaplin, a dupla Hardy e Laurel (o Gordo e o Magro), Buster Keaton, Harold Lloyd, Jacques Tati, Jerry Lewis, Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo e outros.
clown é a exposição do ridículo e das fraquezas de cada um. Logo, ele é um tipo pessoal e único. Uma pessoa pode ter tendências para o clown branco ou o clown augusto, dependendo de sua personalidade. Oclown não representa, ele é - o que faz lembrar os bobos e os bufões da Idade Média. Não se trata de umpersonagem, ou seja, uma entidade externa a nós, mas da ampliação e dilatação dos aspectos ingênuos, puros e humanos (como nos clods), portanto "estúpidos", de nosso próprio ser. François Fratellini, membro de tradicional família de clowns europeus, dizia: "No teatro os comediantes fazem de conta. Nós, os clowns, fazemos as coisas de verdade." (15)
O trabalho de criação de um clown é extremamente doloroso, pois confronta o artista consigo mesmo, colocando à mostra os recantos escondidos de sua pessoa; vem daí seu caráter profundamente humano.





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Notas
(*)  Este texto corresponde aos 3 primeiros tópicos do capítulo 8 (O clown e a improvisação codificada) do livro A arte de ator: da técnica à representação, de Luís Otávio Burnier, editora da Unicamp, Campinas, 2001. Para comprar esse livro e conhecer as outras publicações do Lume visite o site do Grupo.  [volta]
(1)  RUIZ, R. Hoje tem espetáculo? As origens do circo no Brasil. INACEN, MINC, Rio de Janeiro, 1987..  [volta]
(2)  Idem, ibidem.  [volta]
(3)  Idem, pág. 15.  [volta]
(3)  SHKLOVSKI, V. "El clown, la comedia y la tragedia", in El circo soviético.Progresso, Moscou, 1975, pág. 32.  [volta]
(5)  COXE, A. H. "No começo era o picadeiro", O Correio da Unesco, Paris, nº 3, ano 16, mar., 1988, pág. 6.  [volta]
(6)  BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Hucitec-UnB, Brasília, 1987, págs. 3-4.  [volta]
(7)  GASSNER, J. Mestres do teatro. Perspectiva, São Paulo, 1974, vol. I, pág. 191.  [volta]
(3)  MAGNANI, J. G. C. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. Brasiliense, São Paulo, 1984, págs. 63-64.  [volta]
(9)  GASSNER, J. Op. cit., vol. I, pág. 191.  [volta]
(10)  RUIZ, R. Op. cit., pág. 14-16.  [volta]
(11)  Idem, pág. 17.  [volta]
(12)  Idem, pág. 18.  [volta]
(13)  ÉTAIX, P. "Les clowns et le cinéma", in Clonws et Farceurs (org. J. Fabbri e A. Sallée), Bordas, Paris, 1982, pág. 159.  [volta]
(14)  Idem, pág. 161.  [volta]
(15)  Idem, pág. 162.  [volta



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Crônica da vida privada

A CONSCIÊNCIA E O CÉU
Luanda disse-me que estava cansada, que não agüentava mais a quimioterapia e quatro horas de ônibus por dia.

Ela mora na periferia e tem de ir ao Hospital das Clínicas para realizar o tratamento.

Tem só dezenove anos.

“Tenho dois sonhos: ir a Campos do Jordão e ao Rio de Janeiro, nem que seja pra dormir na praia. O médico me proíbe de tudo, mas eu vou.”

Naquela manhã de sábado acordei sem ideal nem esperança, parafraseando Pessoa. Não me entusiasmava o trabalho e meus planos para o futuro pareciam fenecer. Sabia, no entanto, que aquilo era uma ilusão de ótica. A infinita vida se escondia em algum lapso meu. A abundante vida devia estar ali, ao meu lado, mas, por acomodação, não reconhecia seu vigor.

Aprendera, nos parcos anos de minha existência, que o ponto de vista define o objeto. Aprendera que meu viés define meu mundo; mesmo que esteja no arrabal del infierno, como escreveu Borges, posso desfrutar a paz, se tiver olhos para vê-la.

Decidira, então, naquele sábado, dedicar-me a alguém. A dedicação ao outro quebra a casca ilusória denominada eu. Baktin escreveu que a existência do “eu” é ilusória - não passa de uma criação afetada do Romantismo. Expandindo o eu, pensei, logro um novo viés, capaz de reviver ideais e renovar planos.

Dirigi-me, então, à casa de uma conhecida, a poucos metros de onde resido. Levei minha companheira, a guitarra espanhola, acendedora de ternuras e acalentos a corações cansados.

Apesar de minhas boas intenções, não fui bem recebido. Cheguei sem avisar em hora inoportuna: problemas familiares agitavam a tranquilidade doméstica. Por instantes pensei em desistir, desculpar-me e retirar-me. Entretanto, respirei fundo e pedi paciência a mim mesmo. Afinal, a desordem do mundo não precisa de desertores. Dessa maneira, mantive-me imperturbável, aguardando o momento em que seria ouvido – contudo descobri que, antes, necessitava ouvir.

Como dizia, ela tinha apenas dezenove anos, e já podia ser o fim. Assim contou-me sentando-se a meu lado, sem rogar compaixão ou compreensão. Disse-me do fim de sua história como cotidianamente lamentamos o adiamento de uma viagem no feriado. Tal ausência de sentimentalismo comoveu-me. Envergonhei-me. O que eu considerava como dificuldade até aquele momento tornou-se “sopa” - como gostava de referir-se Murilo Mendes ao que era fácil e simples.

Seus dois sonhos não eram impossíveis para mim. Na verdade, já se tornavam dispensáveis em minha gama de opções. Na semana anterior me haviam convidado para ir a Campos. Neguei, alegando compromissos inadiáveis. Compromissos, de fato, havia, mas o que impulsionou minha negativa foi a tonalidade burguesa daquela cidade, a qual me enfastiava de antemão. Quanto ao Rio, gostava da cidade na proporção inversa com que desgostava do trajeto para lá chegar. E recebera convites, insistentes e aconchegantes, de um grande amigo que lá reside; não obstante, minha acomodação não me permitira mover uma palha em favor de sua hospitalidade. Envergonhava-me conhecer os modestos sonhos de Luanda. O quanto eu tinha para agradecer e para me alegrar!

E ela tinha uma coragem, uma vontade de viver! Intimorata, era indiferente aos canos que lhe perpassavam o peito e veias. Seus cabelos caíam e por isso ornava-se com um elegante lenço. Eu tinha lá meus medos infantis – reconhecia-os assim naquele momento. Medo de perder o controle, medo de perder o juízo. Percebi que andava acolhido pela segurança de meu lar, de meu trabalho e de minha saúde.

Semanas atrás, um aluno meu tentara sacar a própria vida por motivos banais. Triste ingrato. Por que não foi visitar um paciente com câncer ou Aids? Por que não se aconchegou às história de um Manuelzão – personagem de Guimarães Rosa – que poderia ter sido abandonado em um asilo? Por que não acalentou um Miguilim, possivelmente esquecido em um orfanato? Por que não se permitiu conhecer a vida em seu limite, para avaliar a própria insensatez?

Luanda me ensinava a perceber. Ensinava-me a refletir. De fato, revirava meu viés engessado.

Ano passado fora visitá-la no Hospital do Câncer, recém inaugurado na Av. Dr. Arnaldo. Da elevada janela, avistei o céu da cidade. Ainda estava sob ele ou o transgredia? Curioso paradoxo, talvez síntese da vida neste mundo: do quarto de internação cancerígeno contemplei a mais linda vista da cidade; o verde e residencial Pacaembu estabelecia contraponto solene com os edifícios vizinhos. Lá do alto nossa cidade era serena e pacífica, tal como as fotografias de satélite tiradas da Terra: ainda é o lindo planeta água, donde tudo parece harmônico e fluido.

Sob o céu da cidade muitos são os vieses, os modos de ser e de sentir. Parece-me que quanto mais alto subirmos, mais ampla nossa visão e, por conseguinte, maior capacidade de ver harmonia, sentido e coerência na vida. Ao dedicar-me ao outro sinto que subi, expandi meu eu. Ao visitar a convalescente nas alturas de um edifício, dedicando afeto, encontrei a conjugação entre o que se elevava em meu interior e a harmonia da cidade em meu exterior.

Cedi a novo convite a Campos. Convidei Luanda e alegra-me o coração a possibilidade de que possa realizar seu sonho. Tenho despertado com ideal e esperança. É como se visse a cidade do alto, do céu, mesmo estando sob ele – pois o céu estende-se infinitamente, tanto quanto nossa consciência pode expandir-se.



Rodrigo da Rosa

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O PRAZER QUE BUSCO



Da janela do meu quarto observo o que chamam de mundo. Acima projeta-se o que da astronomia assimilei. Abaixo, o que entendi da antropologia.










Da janela do meu quarto observo o mundo. Camadas e camadas de sentido. Eu já não me importo. Não vivo aqui. Aqui é um campo de trabalho, onde manipulamos e construímos. Nada daqui constitui a mim. Sou um ser distanciado disso tudo. A um passo sou distanciado, a outro, dou minha vida para construir algo duradouro. Esta vida não é minha. Utilizo um traje espacial e uma identidade que me deram para atuar neste mundo. Não ajo por minha própria força, não vivo por minha conta. Tudo é emprestado. Tudo é meu e nada me pertence. Tudo me é dado.










Em tudo busco o verdadeiro valor. Em tudo busco a verdade. Não sou um intelectual que busca o prazer no intelecto, o prazer do pensamento, que sem dúvida é o prazer individual mais elevado; não sou um artista, que busca o sentido e o prazer na experiência estética. Não sou um materialista, que busca o prazer e o sentido na matéria. Eu sou um ser espiritual que busca a Verdade, o Bem e o Belo. O prazer que busco é aquele da cosmogonia: quando me sinto Um com todas as pessoas e com a grande Vida. Este é, sem dúvida, o mais elevado prazer. Como consegui-lo? Vivendo para os outros, em favor dos outros, em benefício do todo e não de mim.

sábado, 10 de outubro de 2009

INOVAÇÃO DE BLOG




Hoje inauguro este novo blog com a intenção de que meus leitores travem verdadeiras lutas de discussão comigo. Minha batalha não é pequena,
pois travarei uma luta com o senso comum e também com o pensamento científico atual, em muitos aspectos. Gostaria que meus leitores me contestassem com sinceridade e, mais ainda, que superassem um pouco dos preconceitos do senso comum para adentrar no universo que proponho. A razão de minha escrita é a libertação das consciências e a construção de um conhecimento novo, verdadeiramente transformador.
Com certo orgulho, posso dizer que me aprofundei razoavelmente nas ciências humanas de nosso tempo, graças sobretudo à literatura, e que posso contestar muitos de seus aspectos com relativa autonomia. Espero a contribuição de meus leitores para fortalecer ou transviar meus pontos de vista.
Um caloroso abraço de Rodrigo Rosa

domingo, 6 de setembro de 2009

QUAL A MELHOR RELIGIÃO?

Breve diálogo entre o teólogo brasileiro Leonardo Boff e o Dalai Lama.
Leonardo Boff explica:

"No intervalo de uma mesa-redonda sobre religião e paz entre os povos,
na qual ambos (eu e o Dalai Lama) participávamos,
eu, maliciosamente, mas também com interesse teológico,
lhe perguntei em meu inglês capenga:
- "Santidade, qual é a melhor religião?" (Your holiness, what`s the best religion?)
Esperava que ele dissesse:
"É o budismo tibetano" ou "São as religiões orientais, muito mais antigas do que o cristianismo."
O Dalai Lama fez uma pequena pausa, deu um sorriso, me olhou bem nos olhos
- o que me desconcertou um pouco, por que eu sabia da malícia
contida na pergunta - e afirmou: "A melhor religião é a que mais
te aproxima de Deus, do Infinito".É aquela que te faz melhor."
Para sair da perplexidade diante de tão sábia resposta,
voltei a perguntar:
- "O que me faz melhor?"
Respondeu ele:
-"Aquilo que te faz mais compassivo" (e aí senti a ressonância tibetana, budista,
taoísta de sua resposta), aquilo que te faz mais sensível, mais desapegado,
mais amoroso, mais humanitário, mais responsável... Mais ético...
A religião que conseguir fazer isso de ti é a melhor religião..."
Calei, maravilhado, e até os dias de hoje
estou ruminando sua resposta sábia e irrefutável...
Não me interessa amigo, a tua religião ou mesmo se tem ou não tem religião.

O que realmente importa é a tua conduta perante o teu semelhante, tua família, teu trabalho, tua comunidade, perante o mundo...
Lembremos:
"O Universo é o eco de nossas ações e nossos pensamentos".
A Lei da Ação e Reação não é exclusiva da Física. Ela está também nas relações humanas. Se eu ajo com o bem, receberei o bem. Se ajo com o mal, receberei o mal.
Aquilo que nossos avós nos disseram é a mais pura verdade: "terás sempre em dobro aquilo que desejares aos outros".

Para muitos, ser feliz não é questão de destino. É de escolha.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

COMERCIO

Los famas habían puesto una fábrica de mangueras, y emplearon a numerosos cronopios para el enrollado y depósito. Apenas los cronopios estuvieron en el lugar del hecho, una grandísima alegría. Había mangueras verdes, rojas, azules, amarillas y violetas. Eran transparentes y al ensayarlas se veía correr el agua con todas sus burbujas y a veces un sorprendido insecto. Los cronopios empezaron a lanzar grandes gritos, y querían bailar tregua y bailar catala en vez de trabajar. Los famas se enfurecieron y aplicaron en seguida los artículos 21, 22 y 23 del reglamento interno. A fin de evitar la repetición de tales hechos. Como los famas son muy descuidados, los cronopios esperaron circunstancias favorables y cargaron muchísimas mangueras en un camión. Cuando encontraban una niña, cortaban un pedazo de manguera azul y se la obsequiaban para que pudiese saltar a la manguera. Así en todas las esquinas se vieron nacer bellísimas burbujas azules transparentes, con una niña adentro que parecía una ardilla en su jaula. Los padres de la niña aspiraban a quitarle la manguera para regar el jardín, pero se supo que los astutos cronopios las habían pinchado de modo que el agua se hacía pedazos en ellas y no servía para nada. Al final los padres se cansaban y la niña iba a la esquina y saltaba y saltaba. Con las mangueras amarillas los cronopios adornaron diversos monumentos, y con las mangueras verdes tendieron trampas al modo africano en pleno rosedal, para ver cómo las esperanzas caían una a una. Alrededor de las esperanzas caídas los cronopios bailaban tregua y bailaban catala, y las esperanzas les reprochaban su acción diciendo así: ¡Crueles cronopios cruentos!. ¡Crueles! Los cronopios, que no deseaban ningún mal a las esperanzas, las ayudaban a levantarse y les regalaban pedazos de manguera roja. Así las esperanzas pudieron ir a sus casas y cumplir el más intenso de sus anhelos: regar los jardines verdes con mangueras rojas. Los famas cerraron la fábrica y dieron un banquete lleno de discursos fúnebres y camareros que servían el pescado en medio de grandes suspiros. Y no invitaron a ningún cronopio, y solamente a las esperanzas que no habían caído en las trampas del rosedal, porque las otras se habían quedado con pedazos de manguera y los famas estaban enojados con esas esperanzas.